Pinacoteca de SP "recria" porão da ditadura a partir de relatos de ex-presos
Eduardo Knapp/Folha Imagem
Visitantes do Memorial da Resistência, em SP, escutam relatos de presos políticos que estiveram detidos no mesmo local
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"O preso político, por definição, foi privado de liberdade em consequência de suas convicções. Do ponto de vista democrático, a prisão por posições políticas é uma violência", afirma o diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Marcelo Araújo. Foi seguindo esse princípio que Araújo coordenou o novo projeto museológico do Memorial da Resistência, inaugurado há duas semanas na Estação Pinacoteca, centro de São Paulo.
O local foi entre 1940 e 1983 sede do Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) e serviu a duas ditaduras como local de detenção e tortura de presos políticos.
Desde a entrada, o visitante percebe, como diz Araújo, que "a proposta da exposição era adotar um lado". Baseado em relatos de ex-militantes de esquerda ali detidos durante a ditadura militar (1964-1985), o memorial "reconstituiu" as celas e o corredor de banho de sol para presos do Deops. A ideia do espaço surgiu de pressões políticas de militantes perseguidos pelos militares, como os integrantes do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo, e foi encampada por João Sayad, secretário de Cultura da gestão José Serra (PSDB).
O nome da sala de entrada da exposição permanente é "controle, repressão e resistência", e essas ideias orientam a "narrativa" do percurso. Nas paredes dos corredores da "prisão" há frases dos ex-detentos. Numa delas, logo na primeira cela, separada do corredor por uma pesada porta de madeira e um trinco gigante de ferro, se pode ler: "Tinham sons que eram terríveis; o barulho da chave, do ferrolho". Ou ainda: "Dependendo da maneira como o carcereiro abria a porta, a gente percebia o que era; se era para chamar alguém para a tortura, se era alguém chegando, se era a comida vindo".
Inscrições
Na cela seguinte, acima de colchões de palha e uma corda de varal que recriam o "ambiente" de quatro décadas atrás, há inscrições nas paredes de n omes de militantes e o rganizações de esquerda. A coordenadora técnica de implementação do memorial, Kátia Felipini, explica que o gesto de registrar a presença nas celas dessa forma era importante para os detidos, já que no período em que se encontravam ali ninguém sabia de s eus paradeiros, e podiam simplesmente desaparecer.
Finalmente, numa última cela, quase vazia se não fosse por um cravo espetado numa garrafa transparente que faz as vezes de vaso, os visitantes podem usar fones de ouvido para escutar relatos dos ex-presos. Um deles se lembra da inscrição em que o a utor de "Reinações de Narizinho" marcava a sua passagem pelo Deops nos tempos do Estado Novo: "Aqui esteve J.B. Monteiro Lobato". Outro relata que as celas, no período militar, guardavam em média 15 pessoas, podendo chegar, excepcionalmente, "a 30, 40 pessoas". O visitante pode estimar em volta um espaço de pouco mais de 20 metros quadrados.
O diretor da Pinacoteca afirma que a intenção da exposição não pode ser levar o público a "experimentar" o trauma da prisão. "Essa não é uma vivência que possa ser experimentada. Nem de longe. Não era uma simples prisão. Tratava-se de total violência, privação e tortura."
MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
Onde: Estação Pinacoteca - largo General Osório, 66
Quando: Terça a domingo, das 10h às 18h
Quanto: Entrada gratuita
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