frases de revolucionário , coloque a sua !!!

O tempo é o único bem totalmente irrecuperável. Recupera-se uma posição, um exército e até um país, mas o tempo perdido, jamais."
Napoleão Bonaparte

domingo, 18 de setembro de 2011

MURAL DE AVISOS
Veja no link Notícias novidades sobre CEANIST e o V SEMINÁRIO LATINO AMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E ANISTIA.

Brasília 22 de julho de 2011

Conforme informação da Comissão de Direito Humanos da Câmara dos Deputados, o V SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO DE ANISTIA E DIREITOS HUMANOS será realizado em Brasília nos dias 17, 18 e 19 de Outubro de 2011.


Sua presença é importante, programe-se!

Brasília 11 de julho de 2011.


Pinacoteca de SP "recria" porão da ditadura a partir de relatos de ex-presos

Eduardo Knapp/Folha Imagem

Visitantes do Memorial da Resistência, em SP, escutam relatos de presos políticos que estiveram detidos no mesmo local

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O preso político, por definição, foi privado de liberdade em consequência de suas convicções. Do ponto de vista democrático, a prisão por posições políticas é uma violência", afirma o diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Marcelo Araújo. Foi seguindo esse princípio que Araújo coordenou o novo projeto museológico do Memorial da Resistência, inaugurado há duas semanas na Estação Pinacoteca, centro de São Paulo.

O local foi entre 1940 e 1983 sede do Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) e serviu a duas ditaduras como local de detenção e tortura de presos políticos.
Desde a entrada, o visitante percebe, como diz Araújo, que "a proposta da exposição era adotar um lado". Baseado em relatos de ex-militantes de esquerda ali detidos durante a ditadura militar (1964-1985), o memorial "reconstituiu" as celas e o corredor de banho de sol para presos do Deops. A ideia do espaço surgiu de pressões políticas de militantes perseguidos pelos militares, como os integrantes do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo, e foi encampada por João Sayad, secretário de Cultura da gestão José Serra (PSDB).
O nome da sala de entrada da exposição permanente é "controle, repressão e resistência", e essas ideias orientam a "narrativa" do percurso. Nas paredes dos corredores da "prisão" há frases dos ex-detentos. Numa delas, logo na primeira cela, separada do corredor por uma pesada porta de madeira e um trinco gigante de ferro, se pode ler: "Tinham sons que eram terríveis; o barulho da chave, do ferrolho". Ou ainda: "Dependendo da maneira como o carcereiro abria a porta, a gente percebia o que era; se era para chamar alguém para a tortura, se era alguém chegando, se era a comida vindo".

Inscrições
Na cela seguinte, acima de colchões de palha e uma corda de varal que recriam o "ambiente" de quatro décadas atrás, há inscrições nas paredes de n omes de militantes e o rganizações de esquerda. A coordenadora técnica de implementação do memorial, Kátia Felipini, explica que o gesto de registrar a presença nas celas dessa forma era importante para os detidos, já que no período em que se encontravam ali ninguém sabia de s eus paradeiros, e podiam simplesmente desaparecer.


Finalmente, numa última cela, quase vazia se não fosse por um cravo espetado numa garrafa transparente que faz as vezes de vaso, os visitantes podem usar fones de ouvido para escutar relatos dos ex-presos. Um deles se lembra da inscrição em que o a utor de "Reinações de Narizinho" marcava a sua passagem pelo Deops nos tempos do Estado Novo: "Aqui esteve J.B. Monteiro Lobato". Outro relata que as celas, no período militar, guardavam em média 15 pessoas, podendo chegar, excepcionalmente, "a 30, 40 pessoas". O visitante pode estimar em volta um espaço de pouco mais de 20 metros quadrados.


O diretor da Pinacoteca afirma que a intenção da exposição não pode ser levar o público a "experimentar" o trauma da prisão. "Essa não é uma vivência que possa ser experimentada. Nem de longe. Não era uma simples prisão. Tratava-se de total violência, privação e tortura."

MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
Onde: Estação Pinacoteca - largo General Osório, 66
Quando: Terça a domingo, das 10h às 18h
Quanto: Entrada gratuita

sexta-feira, 9 de setembro de 2011


ANISTIADOS POLÍTICOS

A trajetória da luta pela reparação simbólica dos danos morais sofridos pelos cidadãos torturados durante a ditadura militar

Depois de muitos anos de ditadura militar, começada em 1964, com a abertura política que aconteceu no Governo Figueiredo, em 28 de agosto de 1979 foi editada a Lei de Anistía Política. Esta voltava a dar direitos aos cidadãos que tinham sido perseguidos pela ditadura militar, mas não era muito ampla.

A Constituição de 1988, no artigo XIII das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou que o Executivo fornecesse uma reparação financeira aos cidadãos brasileiros torturados e às famílias do que foram mortos pelo regime militar.

Esta lei não foi feita pelo Governo de Sarney nem pelos seguintes, mas no último ano do Governo de Fernando Henrique Cardoso o Executivo baixou uma medida provisória, n. 2151 de 24/03/2001, que dava abertura para que fosse revista a questão da reparação financeira aos perseguidos políticos da ditadura. A medida foi reeditada várias vezes, porque não tinha sido transformada em lei, até que em 13 de novembro de 2003 se transformou na Lei n. 2559. Esta última é mais abrangente do que as medidas provisórias, pois insere como beneficiado qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro que residisse no Brasil de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988 e que sofreu, neste período, alguma perseguição por razões políticas.

"Nós sabemos que esta lei, por mais abrangente que seja, jamais vai resgatar o sofrimento, a humilhação que estes cidadãos viveram", afirma Oswaldo Monte Filho, advogado da Associação Norte-Riograndense de Anistiados Políticos. "É uma lei simbólica", continua, "porque os transtornos gerados nas vidas e as famílias de quem sofreu perseguição nenhum dinheiro nunca vai compensar. As marcas que a tortura deixa no corpo e, sobretudo, na alma não se apagam. Esta lei é apenas o resgate moral destas pessoas e da sua história, que é a história de muitos cidadãos brasileiros".

Esta Lei determina que vão poder se benericiar desta reparação aqueles cidadãos que sofreram perseguição de caráter exclusivamente POLÍTICO. Cada petição terá que demonstrar que as motivações da perseguição foram estritamente políticas: caso contrário, o pedido não se enquadrará na Lei por ser contrário a seu espírito.

Através da Lei foi criada uma Comissão, presidida por Marcelo Nava Mello, e três Câmaras: a primeira, para as petições de cidadãos civis; a segunda, para as de funcionários públicos de autarquias, economias mixtas, etc.; a terceira, para as de militares, ou seja, todas as pessoas que fizeram parte das Forças Armadas e das polícias dos Estados na época da ditadura e sofreram perseguição.

A Lei da duas opções ao anistiado. A primeira é uma reparação econômica de prestação única por cada ano de dano financeiro por perseguição de ordem exclusivamente política: se enquadram nesta opção todos os casos em que há dificuldade em se provar o vínculo empregatício. Por cada ano de dano sofrido, o anistiado tem direito a 30 salários mínimos, com limite em 100 mil reais. O objetivo deste primeiro tipo de reparação é fornecer indenização a todas aquelas pessoas que sofreram gravíssimos prejuízos financeiros mas não têm como provar a relação empregatícia comprometida pela persguição política. No Rio Grande do Norte há vários casos, um exemplo representativo é o de Mery Medeiros. Ele era o segundo principal exponente das Ligas Camponesas, mas não tem nenhum documento que prove que trabalhava para as Ligas pois durante a repressão tiveram que queimar todo o acervo da instituição para não fornecer provas de "subversão".

A segunda forma de reparação econômica por perseguição de carácter político consiste em uma prestação mensal permanente e continuada. Esta segunda opção é dirigida àquelas pessoas que podem provar um vínculo empregatício: funcionários de empresas públicas ou de economia mixta, de bancos, de empresas particulares, etc., que foram obrigados a fugir, demitidos ou de qualquer maneira compelidos a deixar a instituição em que trabalhavam.

A Comissão recebe o pedido, este é autuado, distribuído à Câmara correspondente que o recebe com toda a documentação relativa ao processo e, por sua vez, o encaminha à assessoria jurídica para analizar se está dentro dos parâmetros exigidos pela Lei. Depois, o pedido passa para um relator que analiza toda a documentação, faz a fundamentação do seu voto e coloca o caso para a apreciação na Câmara. Esta última vota (normalmente, dentro da fundamentação do relator, mas pode pedir vistas para modificá-la) e, após a votação, o caso é encaminhado para o Ministro da Justiça para que seja feita uma Portaria anistiando o cidadão requerinte. Quando a Portaria é publicada no Diário Oficial, o Ministério da Justiça a encaminha para o Ministério do Planejamento, no setor de Pagamento, que coloca o dinheiro diretamente na conta do anistiado, sem nenhuma intermediação. Ao mesmo tempo, o requerinte recebe um Diploma de Anistiado Político.

A Associação Norte-Riograndense de Anistiados Políticos, presidida por Mery Medeiros, já encaminhou para Brasília 45 pedidos de anistía. Destes, foram deferidos até agora os de Mery Medeiros (já na fase de publicação da Portaria Ministerial), de Bento Ventura de Moura e de Antônio Silvério da Silva.

Há algo que nunca foi divulgado e que consideramos importante fazer conhecer. Em outubro de 1952 (portanto, durante o período que a Lei abarca), na Base Aérea de Natal, em Parnamirim, se verificaram umas gravíssimas arbitrariedades por parte da Força Aérea Brasileira: 29 cidadãos foram presos e brutalmente torturados por razões de carácter político (embora, formalmente, naquela época o país fosse uma democracia). Militares de alta patente da base cometeram bárbaras atrocidades que nunca chegaram a ser conhecidas. O que é pior é que muitas das vítimas destas torturas ou seus parentes talvez nem saibam do direito que têm de solicitar reparação por danos morais.

"Nós entramos com pedido de anistia para três destas 29 pessoas: Vulpiano Cavalcanti de Araújo, Hermínio Alves de Brito e Simplício Teixeira Peixoto", afirma Oswaldo Monte. "O que importa é o resgate moral destas pessoas". A Associação dos Anistiados, na sua assessoria jurídica, tem toda a documentação relativa a este episódio. Portanto, caso que estes cidadãos - caso estejam vivos ainda - ou parentes deles quieram obter reparação simbólica pelos danos sofridos, saibam que têm este direito e podem procurar à Associação, que possui toda a documentação pertinente ao pedido.

"Entre as torturas que estas 29 pessoas sofreram", conta Oswaldo Monte, "nos foram relatados choques elétricos nos tesículos e no ânus, mergulho em tonéis com óleo quente, lâmpadas quentes em cima da pessoa. Vulpiano Cavalcanti de Araújo, que era médico, teve todos os dedos quebrados para que não pudesse mais fazer cirugias. A outro cidadão, Tasso de Macedo Wanderley, furaram a cabeça com um prego, martelando".

"Consideramos muito importante resgatar a memória e a dignidade destas pessoas, que sofreram as piores humilhações às quais pode ser submetido um ser humano e quase ninguém neste país sabe que isso aconteceu", afirma o advogado da Associação dos Anistiados. "E, o que é pior, muitos dos canalhas que torturaram a estes brasileiros chegaram a altos cargos nas Forças Armadas, sem receber nunca punição nenhuma pelas atrocidades cometidas. Por exemplo, o Tenente Câmara, que participou daquelas torturas, em 1964 era Coronel e estava em Pernambuco torturando novamente. Todas estas pessoas agiram com a proteção do Ministro da Aeronáutica da época e de toda a cúpula militar. Quando fazemos as nossas petições, gostamos de citar os nomes destes canalhas que usavam farda".

"Acho que no Brasil deveria haver um movimento como o da Argentina, pelo processo aos autores de crimes de tortura durante o regime militar", continua Monte. "Os torturadores têm que ir no banco dos réus. Alguém que bota éter no ânus de um cidadão para dar choques elétricos porque esta pessoa pensa de maneira diferente não pode ficar impune: a tortura é um crime imprescritível. Não é admissível, sob nenhum ponto de vista, que ao invés que pagar pelas atrocidades cometidas, muitos destes bandidos tenham chegado a altos postos dentro das Forças Armadas do Brasil".

Outro gravíssimo episódio aconteceu em 1964, ano do golpe militar. O Governador do Estado na época, Aluízio Alves (principal exponente, ainda hoje, da mais poderosa oligarquia do RN: a família Alves), foi o primeiro e único Governador do Brasil a criar um Inquérito Policial Militar pouco depois do golpe de Estado: foram convidados dois delegados de Pernambuco para realizar um estudo sobre a "subversão no Rio Grande do Norte". O estudo, que passou a ser conhecido como Relatório Veras, foi realizado A PEDIDO do Governador Aluízio Alves e incriminou 82 pessoas. Logo que o documento foi entregue ao Governador, este o passou ao Comando Militar. Foram abertos processos na Auditoria da Justiça Militar em Pernambuco e muitos destes cidadãos foram presos e torturados. O principal responsável por estas torturas é o maior oligarca deste Estado, Aluízio Alves, totalmente impune e que continua influenciando a vida política do Rio Grande do Norte.

"Em breve, este episódio pouco conhecido vai vir à tona", afirma Oswaldo Monte, "porque está sendo tramitado um Projeto de Lei Estadual para os anistiados que foram presos e sofreram torturas no Rio Grande do Norte (lei que já existe em outros Estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará). Quem foi preso e sofreu tortura neste Estado vai ter direito a um resarcimento financeiro, que vai de 3 mil a 30 mil reais. É bom voltar a ressaltar que se trata de um resarcimento MORAL".

"Espero que o Legislativo tenha a sensibilidade de aprovar logo este Lei", continua o advogado. O Projeto de Lei foi de iniciativa da Deputada Estadual Márcia Maia, que já sabia que ia ser vetado porque - por gerar despesa - não podia partir do Legislativo, mas foi uma ação política de valor simbólico. O Projeto foi vetado pela Governadora, Vilma de Faria, mas com o compromisso de reeditar esta Lei para implantá-la no Estado. "O Projeto passou pela Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM), dirigida por padre Fábio Santos, que realizou várias sugestões que espero que sejam captadas tanto pelo Secretário Estadual de Trabalho, Justiça e Cidadania, Leonardo Arruda, quanto pela Governadora", diz Oswaldo Monte. "Espero que passe do jeito que está depois de passar pela CODEM porque, se não for modificada, vai ser a melhor Lei Estadual sobre anistiados do Brasil". De fato, as dos outros Estados prevêem que o resarcimento pelos danos morais tenha um prazo de entrada além do qual o cidadão perde o direito de solicitar a reparação, mas a que está sendo elaborada no Rio Grande do Norte determina que o resarcimento não tem prazo: enquanto houver pessoas com este direito, ele será garantido. E para quem foi morto ou ficou com seqüelas permanentes no físico há a possibilidade de receber uma pensão permanente (no primeiro caso, para os familiares), no limite do que ganha um Secretário de Estado. "Se esta Lei passar, será uma grande vitória para as pessoas que se preocupam com os Direitos Humanos no Rio Grande do Norte", afirma Monte. "Só espero que o trâmite seja breve, porque muitos dos cidadãos que sofreram os vexames do regime militar aqui na nossa terra, quando já não faleceram, estão em idade avançada ou com problemas de saúde graves. A hora de resgatar a história é essa, depois vai ser tarde demais".

Antonino Condorelli

domingo, 4 de setembro de 2011

TORTURA NO BRASIL, UMA HERANÇA MALDITA
Maria Victoria de Mesquita Benevides Soares

A tortura é comum em nosso país desde sempre. Essa prática nefanda, verdadeira herança maldita, trazida pelos portugueses “educados” nos métodos da dita sagrada Inquisição, permanece até hoje, passando por Colônia, Império, Independência, República, ditaduras e imperfeitos Estados de Direito, com governos de todos os tipos. Os indígenas, os hereges ou infiéis, os negros escravos e descendentes, os “vadios”, os marginais de toda sorte, os internos nos manicômios, os “subversivos” e opositores políticos, os presos ditos “comuns”, os pobres em geral, os não cidadãos... todos potencialmente vítimas dos abusos e da violência extremada. Para punir, disciplinar e purificar (sic), arrancar confissões e informa- ções, intimidar, “dar o exemplo”, vingar, derrotar física e moralmente o suposto inimigo ou, simplesmente, o indesejável. A discussão sobre a tortura, onde quer que se dê, envolve aspectos históricos, filosóficos, morais, jurídicos, políticos, psicológicos e sociais. No Brasil, trata-se de questão crucial e mobilizadora na área dos Direitos Humanos, embora ainda negligenciada – ou manipulada em nome de interesses escusos no debate público. Se o tema provoca aversão e indignação militante e propositiva por um lado, por outro também desvela um certo silêncio, mesclado de medo ou desconforto, quando não explícita tolerância, além da omissão criminosa de certas autoridades

A tradicional imagem do brasileiro como “um homem cordial” – pois a doçura de sentimentos, a afabilidade no trato e a generosidade com os visitantes encantavam os estrangeiros, segundo textos da história ufanista – vem sendo tão desmentida quanto a velha tese sobre nossa “democracia racial”. Hoje, ninguém mais, com um mínimo de informação e olhos para ver, poderá duvidar de que podemos ser violentos, preconceituosos e racistas. Até que ponto a sociedade
1 Em 1987, a Comissão Justiça e Paz de São Paulo solicitou ao cineasta Renato Tapajós a realização de um vídeo sobre a tortura. Intitulado Humilhação e Dor – foi muito utilizado nos cursos e campanhas de várias entidades e movimentos – sobre o histórico e a realidade da tortura no País. continuará aceitando a ilusão de sermos um país “abençoado por Deus e bonito
por natureza”, com filhos amorosos e devotos da “pátria mãe gentil”? Em pesquisa realizada em 2009 pela agência Nova S/B, em parceria com o Ibope, 26% dos entrevistados declararam-se favoráveis à tortura de suspeitos, realizada por agentes policiais. Os quase quatro séculos de escravidão deixaram sua marca vil: nos entrevistados com renda mensal superior a cinco salários
mínimos, o índice de aprovação da tortura policial chegou a 42%, ao passo que a média de aprovação, entre os que vivem com menos de cinco salários mínimos de renda por mês, não ultrapassou 19% (Comparato, 2010a, p. 109). Outra pesquisa, coordenada por Gustavo Venturi, revelou que um quinto da população brasileira conhece pessoalmente alguém que tenha sido torturado, mas apenas 12% consideram a tortura uma prática que deve ser combatida (Arantes e Pontual, 2010, p. 49). Em recente publicação (Relatório sobre Tortura: uma Experiência de Monitoramento dos Locais de Detenção para Prevenção da Tortura, 2010) a Pastoral Carcerária denunciou casos de tortura, por ela pesquisados, em 20 estados brasileiros, sendo o maior número de casos em São Paulo (71), no Maranhão (30), em Goiás (25) e no Rio Grande do Norte (12), salientando que a maioria dos torturadores não sofreu punições. As denúncias de tortura são feitas por presos, parentes e até mesmo pelos próprios agentes penitenciários. “Muitas vezes, os agentes têm medo, porque, quando denunciam, são vítimas de retaliações”, afirmou José de Jesus Filho. Há tortura no interior de delegacias ou carceragens, praticada por integrantes da Polícia Civil. Geralmente, os casos que envolvem policiais militares ocorrem na rua, em residências ou estabelecimentos privados, para obter informação e castigar. “Os crimes em estabelecimentos penitenciários são menos acessíveis, geralmente ocorrem depois de conflitos com agentes penitenciários”, diz o texto. Tais dados, que ecoam a maldita “tradição” e se repetem miseravelmente em todo o País, não nos impede de registrar os avanços contemporâneos na luta pela defesa e promoção dos Direitos Humanos – na sociedade e no âmbito do Estado – inclusive com a condenação na Constituição vigente e a posterior definição do crime de tortura. Temos hoje, sem dúvida, a oportunidade de levar o debate em várias instâncias, com a legitimidade de um tema que entrou, apesar de muita oposição, na agenda do Estado.
Este texto não pretende reunir propostas ou soluções; outros textos neste livro o farão. Seu objetivo é contribuir para situar a prática da tortura no Brasil em perspectiva histórica (mesmo que brevíssima) bem como no contexto da defesa e da luta pelos Direitos Humanos. É evidente que o tema requer aprofundamento, o que foge aos limites aqui propostos.






TORTURA, EFEITOS PSICOLÓGICOS E TRANSMISSÃO
TRANSGERACIONAL DOS DANOS
Até aqui temos dito que os efeitos da violência institucionalizada não se fizeram sentir apenas sobre os diretamente atingidos. No entanto, quando nos deparamos, na clínica, com os sintomas psíquicos e corporais que acometeram os afetados pela tortura e/ou pelas mortes e desaparecimentos políticos de seus familiares, encontramos uma especificidade nos danos que os atingiram, não Para uma discussão mais aprofundada a este respeito). somente porque com eles foram utilizadas as formas mais propriamente coercitivas e violentas do poder, e justamente pela instância que deveria garantir-lhes a proteção, mas também porque diante do silenciamento, da negação e da impunidade que se seguiram a tais crimes, eles foram convertidos nos únicos depositários dos danos provocados por tais acontecimentos. Por outro lado, como já mencionamos acima, mesmo os acontecimentos traumáticos mais desmesurados não necessariamente levarão ao adoecimento psíquico. Nos casos de violência política praticada por agente do Estado, o destino do trauma depende tanto dos recursos pessoais e da sustentação da
rede de quem o viveu, como também da forma com que o Estado e a sociedade respondem ao acontecido. Se o dano é reconhecido e são instaurados processos de responsabilização e reparação, é possível sua inscrição social e elaboração. Se o Estado e a sociedade silenciam e a tortura é legitimada; se a percepção da violência e do dano é desmentida, esta continua sem inscrição social e passa a ser vivida como algo próprio. Torna-se encapsulada como um corpo estranho, cristaliza-se e fica imune à passagem do tempo, sendo transmitida em estado bruto para as gerações seguintes. Se nos afetados pela tortura e outras violações é exatamente a capacidade de simbolizar o acontecimento traumático que fica comprometida, diante do silêncio e até da recusa do corpo social em ouvir, o próprio silenciamento é erigido em mecanismo de defesa. Para evitar o contato com a experiência da dor e do desamparo, as marcas psíquicas da violência são encapsuladas e disso- Como nos dizem Kordon e Edelman “Es particularmente siniestro el efecto que produce en una persona el presenciar el secuestro de un hijo, un amigo, un vecino, y encontrar en el afuera una desmentida permanente, un no-reconocimiento, una negación de la propia percepción” (KORDON E EDELMAN, 2007: 72). Segundo Halbachs, “solo podemos recordar cuando es posible recuperar la posición de los acontecimentos pasados en los marcos de la memoria coletiva”. Y lo que no encuentra lugar o sentido en ese cuadro es material para el olvido (JELIN, 2002, p. 20-21).” associadas, e, no lugar da vivência traumática, o que subsiste são bolhas de tempo, zonas de silêncio, fragmentos de vida que não podem ser integrados aos demais. Dissociada, a vivência traumática é capturada num limbo atemporal e fica impedida de adquirir um estatuto de lembrança. Represados os afetos, impedida a mobilidade psíquica e congelada a capacidade expressiva, o ocorrido não pode mais ser reconhecido como causa de sofrimento, nem tampouco ser objeto de esquecimento. Como presença ausente, ou ausência presente, o traumático pode, no entanto, irromper a qualquer momento, invadindo a cena, reativando o terror. Mas pode também manter-se enquistado e ser transmitido para as gerações posteriores.O que ocorre, então, quando essas marcas são transmitidas para as gerações subsequentes? O que acontece quando se herda a pura marca afetiva do terror e não se é capaz de historicizar o dano? O que fazer quando da memória do trauma persistem apenas intensos restos perceptivos, cheiros ou sons, capazes de gerar violentos estados de ansiedade e/ou dolorosas sensações corporais, mas insuficientes para o trabalho de simbolização, como no relato de um jovem sobre sua experiência infantil de sentir a barra pesada, mas sem saber o que é barra e o que é pesada, à noite, numa rua vazia? Esta imagem da bolha de tempo foi sugerida, há alguns anos, pela psicanalista paulista, Ângela Santa Cruz. Se como diz Losicer “o destino de toda bolha é estourar” toda bolha é uma bomba de tempo (LOSICER, 2009). Segundo Maia (2005, p. 84), “em oposição ao que se passa no processo de recalcamento, que preserva a potência de simbolização, na recusa, há uma despotencialização da capacidade de simbolizar”. Na esteira de Figueiredo, que pensa o processo de recusa como “desautorização da percepção”, a autora explica que o que ocorre aí é “o congelamento do processo perceptivo, a impossibilidade de seu deslizamento de sentidos. Tem-se a percepção, mas seu aspecto transitivo fica prejudicado. Sua dimensão de processo se interrompe: uma possível percepção que se faria presente depois da primeira fica impedida; uma lembrança que poderia por ela ser ativada não ocorre; (...). Resumindo: o que é desautorizado, no processo perceptivo, não é a percepção em si, mas a sua potência de desdobrar-se em outros processos psíquicos, como por exemplo, o enredamento de outras percepções, processos mnêmicos ou de simbolização” Frase dita por um filho de ex-preso político, durante um grupo de pesquisa intervenção realizada pela equipe clínica do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

A LEI DA ANISTIA
Apesar de limitada, a anistia de 1979 representou um avanço na luta pelas liberdades democráticas. Foi o recuo mais palpável da ditadura, além da revogação do AI-5. A Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 – a chamada Lei da Anistia –, em seu art. 1º, concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram, dentre outros, crimes políticos ou conexos com estes. Para tanto, considerou como crimes políticos ou conexos, nos termos do § 1º, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, e, em conformidade com o § 2º desse mesmo artigo, excetuou dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. O adjetivo “conexo” é o “guarda-chuva” sob o qual se abrigaram todos aqueles que, em nome da lei e acobertados pelo governo militar, torturaram, assassinaram e deram sumiço no corpo das vítimas, o que é inaceitável, pois é descabido anistiar quem jamais foi considerado culpado ou condenado. Anistia significa perdão: perdoa-se a quem cometeu uma falta; se jamais os algozes assumiram os hediondos atos praticados por eles, não se pode cogitar tenham sido beneficiados pela anistia.
Contudo, é público e notório que o legislador, com a redação propositalmente obscura do § 1º do citado artigo, ao considerar como políticos ou conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, teve o intuito de incluir, no âmbito da anistia criminal, os agentes públicos que comandaram e praticaram crimes comuns – tortura, homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais e atentado violento ao pudor – contra opositores políticos do regime militar instituído em 1964.

CRIMES POLÍTICOS, CONEXOS OU CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
Com o encerramento do regime militar, embora as autoridades do novo Estado de Direito, instituído pela Constituição de 1988, devessem ter exercido sua obrigação fundamental de agir contra os responsáveis pelas violações de Direitos Humanos, isto não ocorreu.

No campo penal, interpretou-se falsamente a Lei da Anistia, como tendo abrangido pela anistia os agentes públicos, mandantes ou executores, que haviam cometido crimes contra a vida e a integridade pessoal dos cidadãos considerados opositores políticos do regime. E assim sucedeu, porque os delitos praticados pelos agentes do Estado foram considerados, com base na lei, conexos com os imputados aos opositores políticos. É inequívoco, porém, que os agentes policiais militares da repressão política, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, período de

abrangência da anistia concedida pela Lei nº 6.683/79, não cometeram crimes políticos, um dos pressupostos para que fossem beneficiados pela anistia, mas, sim, crimes comuns. Ora, é indiscutível que os agentes públicos, que mataram, torturaram e violentaram sexualmente opositores políticos no período abrangido pela Lei da Anistia (2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979), não praticaram algum dos crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, definidos como tais nos citados diplomas legais. Ao revés, a pretexto de defenderem o regime militar, praticaram crimes comuns contra aqueles que, supostamente, punham em perigo a ordem política e a segurança do Estado, ou seja, não praticaram crimes políticos.

Também não se pode cogitar que tais agentes tenham praticado crimes conexos, dentre outros motivos porque a conexão criminal pressupõe unidade de objetivo e de ação delituosa entre os agentes, o que jamais ocorreu em tais casos, pois de um lado, os agentes públicos, mandantes ou executores, praticaram crimes contra a vida e a integridade pessoal dos cidadãos considerados opositores políticos do regime, enquanto estes, os acusados de crimes políticos, não agiram contra os que os torturaram e mataram, dentro e fora das prisões do regime militar, mas contra a ordem política vigente no País naquele período. Em verdade, os agentes públicos que mataram, torturaram, violentaram sexualmente e desapareceram com pessoas que se contrapunham ao regime militar, assim como os mandantes desses atos ilícitos, além de não poderem ser beneficiários de uma autoanistia, praticaram crime contra a humanidade, que
é em si mesmo uma grave violação aos Direitos Humanos, afeta toda a humanidade e se caracteriza pela prática de atos desumanos, como o homicídio, a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, cometidos em um contexto de ataque generalizado e sistemático contra uma população civil, em tempo de guerra ou de paz. A Corte Americana de Direitos Humanos, cuja jurisdição foi reconhecida pelo Brasil no Decreto Legislativo 89, de dezembro de 1998, já decidiu diversas vezes que é nula e de nenhum efeito a autoanistia criminal decretada por governantes.
Esta definição de crime contra a humanidade foi acolhida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é reconhecida pelo Estado Brasileiro, através do Decreto nº 4.463/02, e, portanto, deve vincular todos os poderes estatais.

OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE E SUA IMPRESCRITIBILIDADE
A tortura é um crime hediondo, não é ato político nem contingência histórica e afeta toda a humanidade, na medida em que a condição humana é violentada na pessoa submetida a esse crime. Quando alguém é torturado, somos todos atingidos duplamente: em nossa humanidade e em nossa cidadania. A prática da tortura é inaceitável e seus executores deverão ser ao menos reconhecidos a qualquer tempo, sendo importante, para tanto, que o Congresso Nacional aprove o Projeto de Lei da Comissão Nacional da Verdade. O Brasil é signatário de tratados internacionais que o incluem em diversos sistemas de proteção dos Direitos Humanos, inclusive se submetendo ao julgamento de organismos internacionais, especialmente ao International Criminal Court (Tribunal Internacional), criado pelo Estatuto de Roma, que não estabelece prescrição para os crimes contra a humanidade, entre eles definidos a tortura e a prática de outros atos desumanos que causem grande sofrimento, ou sério dano ao corpo ou à saúde mental e física de um indivíduo. O Brasil é igualmente signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que o vincula aos conceitos dessa Convenção, na medida em que tais conceitos foram assumidos pelo nosso País, em 6 de novembro de 1992, através do Decreto nº 678, nos termos do seu artigo 2º, para o fim de alterar a sua legislação interna, visando à defesa e à integridade física e moral do indivíduo. Convenção Americana de Direitos Humanos: art. 5o
– Direito à integridade pessoal; 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite
sua integridade física, psíquica e moral; 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Os dois tratados internacionais citados, assinados pelo Brasil, são suficientes para esclarecer que a República não compactua com a prática de atos que violem a dignidade da pessoa humana, por ser este um dos fundamentos
do Estado Democrático de Direito e um direito inalienável do indivíduo. E a dignidade, como direito inalienável, tanto quanto o direito à vida, à honra e à liberdade, constituem uma categoria especial de direitos do indivíduo, devendo ser defendidos a todo custo, sob pena de os agentes violadores dos Direitos Humanos poderem, após o lapso prescricional, saírem impunes, mesmo tendo praticado atos aniquiladores da condição humana. A qualificação dos atos praticados pelos agentes públicos, mandantes ou executores, como crimes contra a humanidade, é suficiente para impedir a concretização de qualquer instituto que possa significar impunidade, conforme preceituam os tratados internacionais aos quais o Brasil está vinculado e obrigado a cumprir. A Assembleia Geral das Nações Unidas indicou a existência desse preceito no costume internacional, por meio da Resolução nº 3.074, editada em 3 de dezembro de 1973, ao apresentar os Princípios de Cooperação Internacional na Identificação, Detenção, Extradição e Castigo por Crimes de Guerra ou Crimes de Lesa-humanidade, nos seguintes termos: “1. Os crimes de guerra e os crimes de lesa-humanidade, onde for ou qualquer que seja a data em que tenham sido cometidos, serão objeto de uma investigação, e as pessoas contra as quais existam provas de culpabilidade na execução de tais crimes serão procuradas, detidas, processadas e, em caso de serem consideradas culpadas, castigadas. (...)8. Os Estados não adotarão disposições legislativas nem tomarão medidas de outra espécie que possam menosprezar as obrigações internacionais que tenham acordado no tocante à 13 Art. 1o da Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...) a dignidade da pessoa humana”. identificação, à prisão, à extradição e ao castigo dos culpáveis de crimes de guerra ou de crimes contra a humanidade”. Acresce que, no âmbito dos Direitos Humanos, o tempo nada apaga, porquanto o Estado brasileiro, mesmo durante o regime militar de exceção, jamais oficializou a prática das violações que ocorriam nos porões; jamais houve ato
do Poder permitindo as crueldades inomináveis ocorridas ou a supressão formal dos direitos fundamentais, tais como o direito à vida e à integridade física. Em suma: a prática de atos que violaram os Direitos Humanos fundamentais, dentre os quais a tortura – crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia , não pode ser esquecida, não pode ser apagada. Urge que essa prática seja esclarecida pela Comissão Nacional da Verdade, se o Congresso Nacional aprovar o projeto de lei correspondente, do qual se falará adiante. Ademais, pelo fato de o Brasil reger-se, nas suas relações internacionais, entre outros, pelo princípio da prevalência dos Direitos Humanos, como também pelo fato de ser subscritor da Carta das Nações Unidas e de ter, em seu
ordenamento jurídico interno infraconstitucional, e, sobretudo, na própria Constituição (artigo 5º, inciso III), recepcionado tratados internacionais que caracterizam os crimes já referidos, especialmente a tortura e os desaparecimentos forçados, como crimes contra a humanidade, todos os poderes da Constituição Federal, “Art. 5o, XLIII – A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura (...).” Constituição Federal, art. 4o – A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – (...); II – prevalência dos Direitos Humanos. Vide Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes: Decreto no 40, de 15.2.91; Lei n o9.455, de 7.4.1997, que define os crimes de tortura. 17 Art. 5 o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – (...); II – (...); III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
A partir dos anos 1960, uma nova forma de assassínio de opositores políticos surgiu e expandiu-se em várias partes do mundo: o desaparecimento forçado, comandado pelas autoridades governamentais e executado por forças militares, policiais ou grupos paralelos.
A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas criou, em 1980, um Grupo de Trabalho para Desaparecimentos Forçados, que República, inclusive o Judiciário, deveriam estar vinculados aos preceitos que tais tratados estabelecem. E dentre esses tratados consta justamente o princípio da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Todavia, infelizmente não é nesse sentido que entende a instância máxima da Justiça brasileira, conforme demonstrou o Supremo Tribunal Federal, ao julgar recentemente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental suscitada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
DIREITOS HUMANOS CONTRA A TORTURA
Direitos Humanos são aqueles direitos essenciais – a partir da matriz, que é o direito à vida – que decorrem do reconhecimento da dignidade de todo ser humano. São, pois, aqueles direitos comuns a todos, sem discriminação alguma em virtude de origem, etnia, especificidade de fenótipo (cor da pele, traços fisionômicos, cabelo) nacionalidade, sexo, classe social, nível de instrução, religião, opinião política, faixa etária, deficiências físicas ou mentais, orientação sexual e preconceito. Os Direitos Humanos são universais; não se referem a um membro de uma nação ou de um Estado – mas à pessoa humana. O reconhecimento desses direitos na Constituição de um país, assim como a adesão aos acordos e declarações internacionais, é um avanço civilizatório – no sentido humanista e progressista do termo – embora não garanta, por si só, os direitos. No entanto, a existência legal é muito importante, sendo sempre um instrumento de legitimação e um espaço para lutas de reivindicação, proteção e promoção dos direitos de todos. A tortura é crime contra a humanidade, expressamente condenada em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo afirma:
Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante
. Com raízes antiquíssimas e profundas em religiões e regimes políticos, passou a ser reconhecida universalmente como crime contra a humanidade porque viola a própria essência da pessoa humana, essência que lhe confere dignidade.
A consciência moral da humanidade, expressando-se através das organizações
mundiais, chegou à conclusão que todos os seres humanos devem ser respeitados
como pessoas, iguais em dignidade e direitos.
A indignidade da tortura deveria ser evidente, pois quem tortura – seja o agente ou seus mandantes e responsáveis cúmplices – quer justamente “desumanizar” suas vítimas, tratando-as como seres “indignos”. A tortura produz a degradação absoluta da pessoa humana, tanto do t torturado, em suas dimensões corpóreas, mentais e sentimentais, como também do torturador, na medida em que ele perde a consciência de sua própria dignidade, tornando-se um aleijado
moral (Comparato, 2010a, p. 98 ). Desde 1824 nossas Constituições condenam a prática de castigos cruéis (açoite, marcas com ferro etc.) porém a tortura e outros tratamentos ou punições
degradantes continuaram a ser praticados rotineiramente contra os escravos até as vésperas da Abolição
. A Constituição Republicana de 1891 e a de 1934 nada dispuseram em relação à tortura, assim como a de 1946, esta logo após o Estado Novo, com seu rol conhecido de torturas contra presos políticos. A Constituição brasileira vigente (1988) afirma, como um dos fundamentos do Estado de Direito democrático, a dignidade da pessoa humana. Deste princípio ético decorre uma premissa político-jurídica inarredável: qualquer ato que viole a dignidade, além de crime de lesa-humanidade, viola diretamente a nossa Constituição.
Em 1991, o Brasil aprovou a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que entrara em vigor
O artigo V da DUDH foi desenvolvido em três tratados: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998.
3 Contra os escravos, os açoites, o tronco, as golilhas, os anjinhos e a máscara de latão, mutilações várias como todos os dentes quebrados, dedos decepados, seios furados. no plano internacional em 1987. Outras, como a construção do Mecanismo Preventivo Nacional para monitoramento dos locais de privação de liberdade – instrumento que é decorrente de adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes –, além de imprescindíveis, impõem-se como compromisso
internacional de primeira grandeza. O crime de tortura será tipificado na Lei brasileira nº 9.455, de 7 de abril de 1997: “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental” – independentemente de quaisquer variáveis políticas, sociais ou de envolvimento com qualquer tipo de delito O texto constitucional não apenas reproduz a condenação expressa na Declaração Universal de 1948, como exclui explicitamente a aplicação de graça e anistia aos torturadores e responsáveis (art. 5º, XLIII). Logo, tortura é sempre crime e seus agentes e responsáveis são criminosos, passíveis de condenação no País e nos tribunais internacionais. Aí está, por exemplo, um dos principais argumentos contra a vergonhosa decisão do STF de rejeitar a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, apresentada pelo Conselho Federal da OAB, para que interpretasse os dispositivos da Lei nº 6.683, de 1979, à luz dos preceitos fundamentais da Constituição Federal, arguindo que a expressão “crimes conexos”, acoplada à de “crimes políticos”, não podia aplicar-se aos delitos
comuns praticados por agentes públicos e seus cúmplices contra os opositores ao regime militar (30.4.2010). O assassínio, a tortura e o estupro de presos, quando praticados sistematicamente por agentes estatais contra oponentes políticos, são considerados, desde o término da Segunda Guerra Mundial, crimes contra a humanidade; o que significa que o legislador nacional é incompetente para determinar, em relação a eles, quer a anistia, quer a prescrição (Comparato, 2010b). É importante registrar que, ainda em 1979 – um ano após o fim do AI-5 – os advogados de presos políticos José Carlos Dias e Belizário dos Santos Jr. apresentaram à discussão no meio jurídico um anteprojeto de lei criando o crime de tortura. Em sociedades democráticas, os direitos civis não podem ser invocados para justificar violação de Direitos Humanos de outrem. Portanto, no debate sobre a condenação da tortura, é indispensável ter bem claro que o direito fundamental à segurança, assim como o dever de garanti-la pelos órgãos competentes, não pode ser usado para justificar abuso de poder da polícia – tortura, os tiroteios
com mortes nunca bem explicadas – contra suspeitos de qualquer delito, apenados ou possíveis informantes e testemunhas.