frases de revolucionário , coloque a sua !!!

O tempo é o único bem totalmente irrecuperável. Recupera-se uma posição, um exército e até um país, mas o tempo perdido, jamais."
Napoleão Bonaparte

segunda-feira, 29 de outubro de 2012



Porrtão de entrada do CampoA 29 de Outubro de 1936, entrava em funcionamento o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, com a chegada dos primeiros 152 presos políticos.
O grupo integrava 34 marinheiros da Organização Revolucionária da Armada, revoltosos do 08 de Setembro de 1936, grevistas do 18 de Janeiro de 1934 da Marinha Grande, 50 detidos da prisão de Angra do Heroísmo e ainda presos políticos até então dispersos por diferentes estabelecimentos de Portugal Continental.
No conjunto, os primeiros prisioneiros do Tarrafal tinham origem no escol das organizações de oposição, o Secretariado do PCP, a Comissão Intersindical e a Confederação Geral do Trabalho. A maioria dos prisioneiros tinha partido de Lisboa a 18 de Outubro, no paquete Luanda, que recolheu presos na Madeira e em Angra, chegando à ilha de Santiago a 29 de Outubro.
Criado por decreto a 23 de Abril de 1936, o campo de concentração do Tarrafal seria encerrado em 1954, mas reaberto pouco depois, com a eclosão da luta armada pela independência nos territórios africanos sob administração portuguesa.
O campo de concentração levou ao extremo a prática de tortura, destacando-se a severidade da "frigideira" - encarceramento nas celas fechadas de cimento, expostas ao sol. Das centenas de pessoas condenadas houve 32 que não sobreviveram.
Entre os mortos, contam-se Mário Castelhano, líder da Confederação Geral do Trabalho e director do jornal anarco-sindicalista A Batalha, e Bento Gonçalves, antigo secretário-geral do Partido Comunista Português. Entre os sobreviventes do Tarrafal somavam-se Edmundo Pedro, Joaquim de Sousa Teixeira, Josué Martins Romão, Sérgio Vilarigues e José Barata Júnior..

domingo, 28 de outubro de 2012


Memória da ditadura – Exclusivo: Dossiê aponta sevícias e assassinato de militante do PCBR


7
Detalhe do laudo cadavérico constante no processo que ainda não foi julgado
Por Denise Assis - do Rio de Janeiro
Ela nasceu no interior de Mossoró, no Rio Grande do Norte, na cidade de Martins (região serrana do Estado), em 9 de julho do ano de 1945. Recebeu o nome de Anatália, uma espécie de equívoco ortográfico, que evidencia a pouca escolaridade dos pais, ou do tabelião. Coisas do interior, de um Brasil tão diverso e gigante, que quando se diz Natália no Sul, ecoa no Norte como Anatália e assim fica sendo.
Logo, quando tinha apenas cinco anos, a família se transferiu para Mossoró, onde ela fez o curso primário, o ginásio e, por fim, cursou o científico, concluído em 1967. Trabalhava durante o dia, na Cooperativa de Consumo Popular, para estudar à noite. Em 1966, um ano antes da formatura, se apaixonou e iniciou namoro com um bancário, Luiz Alves Neto, emprego fixo no Banco do Brasil. Dava para se casar, e assim o fizeram, em 1968. Parou de trabalhar fora de casa, dedicando-se à atividade de costureira. A vida seguia sem sobressaltos, casa popular comprada pelo financiamento do Fundo de Habitação Popular do Estado de Pernambuco (FUNDHAP), louça e mobília.
Certo dia, em 1969, Luiz chamou-a para uma conversa séria. Precisavam deixar a cidade, onde ele se sentia mal visto. Anatália questionou, quis entender melhor a decisão da transferência repentina. Neto, porém, só revelou suas ligações com o PCBR e seu papel de liderança nas Ligas Camponesas na noite do embarque. Por decisão do partido, daquele dia em diante iriam para Pernambuco. Anatália vivia seu amor pelo marido e seguiu à risca as suas orientações. Ficou na casa dos pais o tempo suficiente para vender louça e mobília – com o que arrebanhou pouco mais de “um mil cruzeiros novos” – e esperou o aviso de seguir viagem ao encontro de Luiz.
Dez dias depois recebeu uma carta do marido, dizendo que estava à sua espera em Natal. Ela embarcou às seis da manhã e juntos seguiram para Pernambuco. Era dezembro de 1969 e Anatália partira para uma vida totalmente diferente da rotina pacata de dona de casa, que vivera até então. Agora atendia pelo codinome de “Marina” e dividia um “aparelho” com “Maia”- nome adotado por Luiz, seu marido -, “Alex” e “Adriana”. Anatália havia se transformado, por amor, em uma militante de esquerda. Aos olhos do governo militar de então, numa “terrorista”.
Muitos “aparelhos” depois, o casal foi designado para uma casa próxima ao Esporte Clube do Recife. A máquina de costura foi trocada pela de escrever. Os moldes para as roupas que costurava, por manifestos. Anatália podia não ter formação política, mas seguia à risca as orientações do marido e seu grupo, no enfrentamento ao regime militar. Na luta, foi adquirindo consciência do que se passava à sua volta. A movimentação da casa, sempre com, no mínimo, três moradores, no entanto, chamou a atenção da vizinhança.
No dia 13 de dezembro de 1972, o casal foi preso junto com o militante José Adelino Ramos, o “Lino”, detido em frente ao ponto marcado nas imediações da churrascaria “Gaiola de Ouro”. Os presos foram levados, segundo descrição contida em jornal da época, fornecida pela Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, para “local desconhecido”. Pode-se imaginar pelo que passaram até serem transferidos para a sede da Secretaria, o DOPS local, em 15 de janeiro de 1973, conforme o prontuário nº 38.216, daquela delegacia. Ali, depois de devidamente fichados e de darem entrada oficialmente como presos sob a custódia do Estado, voltaram a ser barbaramente torturados.
Anatália levava uma bolsa de couro marrom, arrematada por franjas, contendo uma carteira de trabalho falsa e uma identidade também falsa (nº 79.028), em nome de Maria Lucia dos Santos. Tinha, ainda, 20 cruzeiros e trinta centavos, e as chaves de casa.
Tamanho trabalho de “convencimento” os levou, a ela e o marido, a redigir, de próprio punho, depoimentos detalhados confessando suas participações nas atividades do PCBR. Não omitiram nomes, pontos, nada, rendidos pela ação violenta dos agentes e, talvez, por um rasgo de ingenuidade, de acharem que confessando estariam a salvo de novas jornadas de tortura. Luiz Neto escapou. Anatália, no frescor de seus 28 anos, 1,58m, bom corpo, bonita para os padrões da época, foi derrubada em uma cama de campanha, numa das salas da Secretaria, e seviciada até a morte.
Prisioneira sofreu sevícia e maus tratos
Seu corpo foi entregue a um perito, que faz no laudo emitido, uma descrição, digamos, “olímpica”, do que viu no cadáver da jovem. O torso com equimoses, o pescoço com um sulco de três centímetros, evidenciando a esganadura e, o pior: suas partes pubianas com queimaduras que se estendiam até a altura inicial da coxa. O laudo descreve também hemorragia interna, nos órgãos do tórax e pulmões e conclui que Anatália morreu em decorrência de asfixia mecânica.
O delegado adjunto, Amauri Leão Brasil, responsável pela presa naquele dia, viu ali uma boa oportunidade de montar uma explicação que, a seu ver, era verossímil. Descreveu a morte da presa como “suicídio”. Aliás, não foram poucos, na época, a serem “suicidados”. Wladimir Herzog, é o mais emblemático deles, seguido do operário Manoel Fiel Filho e tantos outros que se “jogaram” sob carros pelas ruas das principais capitais do país.
Segundo a explicação do adjunto, à imprensa, que cobriu o caso sob censura, a presa teria usado a alça de sua bolsa – curtíssima, por sinal – encontrada presa ao seu pescoço para, em seguida ao pedido feito ao agente Artur Falcão Vizeu, para ir ao banheiro tomar um banho, se matar. O fato se deu às 17h20, no plantão do delegado adjunto. Segundo ele, Anatália foi encontrada morta no banheiro, de onde foi retirada para tentativas de socorro, na presença dos funcionários Genival Ferreira da Silva e Hamilton Alexandrino dos Santos, mas já estava morta.
Em uma das fotos feitas pela perícia no local, e contida no seu dossiê, a militante aparece de corpo inteiro, e há a seguinte legenda: “O cadáver jazia sobre uma cama de campanha, que se encontrava no interior do local em que funciona a Secção do Comissariado da Delegacia de Segurança Social da Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública de Pernambuco”. Ou seja, muito próximo ao poder do Estado. Em dependências vizinhas à sala do delegado de plantão, e não no banheiro, conforme descreveu o Dr. Delegado.
Foto mostra marcas de esganadura
Difícil, hoje, pela exaustiva quantidade de relatos de ex-presos, acreditar que durante sessões de tortura houvesse banho ou qualquer benesse desse tipo concedida aos presos. Ademais, o tempo, (20 minutos, descrito pelo carcereiro) não teria sido suficiente para criar a situação que a levou a falecer naquelas circunstâncias. Seu cadáver não estava atado a ponto nenhum, quando foi encontrado. E custa crer que alguém possa ter usado apenas as mãos para manter o laço da alça da bolsa retesado até alcançar a própria morte.
Observando-se uma das fotos tiradas pela perícia, e preservadas entre a documentação do Arquivo Estadual de Pernambuco, vê-se Anatália em posição de defesa, com uma das mãos à frente do corpo e a outra como quem afasta o agressor ou tenta se apoiar na parede. As fotos da região pubiana, porém, não deixam dúvidas. Ali se cometeu do modo mais literal e cruel a chamada “queima de arquivo”. Sua calcinha está descida e atearam fogo às suas partes genitais, numa tentativa grotesca de apagar os vestígios da prática mais comum entre os torturadores, contra as mulheres, na época: o estupro.
Para os responsáveis pela prisão e guarda de Anatália, pouco importou que ela já tivesse fornecido e detalhado todas as informações que eles queriam lhe arrancar. Anatália pagou com a vida o preço de ser mulher, jovem, bonita e, “subversiva”, como o aparato policial classificava os militantes de esquerda.
No dia 23 de janeiro daquele ano, poucos dias depois do fato, o delegado titular, Redivaldo Oliveira Acioly, corroborou a versão de suicídio engendrada pelo colega Amaruri Leão Brasil, enviando à 7º Circunscrição Juduciária Militar um ofício comunicando o “suicídio” da “subversiva” Anatália Melo Alves, vulgo “Marina”, e dando o caso por encerrado.
Luiz Alvez Neto cumpriu pena e foi anistiado. Anatália é nome de escola em Mossoró, e um prontuário amarelecido guardado no Arquivo Estadual de Pernambuco. Lá permanecem, ainda hoje, a sua bolsa de couro marrom, os documentos com nome falso de Maria Lucia dos Santos e as chaves da casa para onde ela jamais voltou.
Gota d’água
Em setembro de 1967, quando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) perpetrou a expulsão de um dos seus mais importantes quadros, Carlos Marighella, outros nomes de peso do partido, tais como Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho e Mário Alves, decidiram que era hora de empreender um rompimento e fundar um novo partido.
De uma reunião em Niterói, com a presença de trinta membros, entre eles Flávio Koutizii, do Rio Grande do Sul, Hélcio Pereira Fortes, de Minas e Bruno Maranhão, de Pernambuco, saiu o núcleo de fundadores do PCBR. As conversas entre os insatisfeitos com o PCB continuaram e geraram uma fragmentação ainda maior, que deram origem ao PCdoB e à ALN, bem como outras dissidências.
Depois de inúmeras discussões que envolveram Maurício Grabois, João Amazonas e demais líderes, em um encontro acontecido em 17 de abril de 1968, num sítio fluminense, situado na Serra da Mantiqueira, a assembleia fundadora do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) se reuniu para montar o programa do partido. Estiveram presentes cerca de 25 pessoas, entre ex-membros do Comitê Central do PCB e delegados de base de vários Estados. O programa, um texto eclético, se baseou no esboço redigido por Mário Alves que condensou o pensamento das variadas tendências em vigar na época. Sua tentativa foi a de enlaçar a tradição doutrinária marxista, à pressão avassaladora pela luta armada imediata. Sua meta era a revolução popular, destinada a destruir o estado burguês e a conquista de um governo popular revolucionário.
Desde abril de1969, o PCBR se ocupou com operações armadas urbanas, essencialmente voltadas para a propaganda revolucionária. O acirramento da repressão no segundo semestre daquele ano obrigou o partido a reforçar sua clandestinidade e lançar operações mais ousadas. No primeiro assalto a banco feito pelo PCBR no Rio, teve início uma série de prisões que atingiram o Comitê Central, levando centenas de militantes para os porões da repressão. Segundo levantamento feito pelo “Brasil: Nunca Mais”, houve 31 processos referentes ao PCBR, somando 400 cidadãos atingidos como réus ou como indiciados nos inquéritos. (O episódio de criação do PCBR está bastante detalhado no livro de Jacob Gorender, Combate nas Trevas, da Editora Ática)
As Ligas Camponesas
Originalmente surgidas com a organização dos camponeses na Europa durante a Idade Média, no Brasil, as ligas camponesas são conhecidas como a associação de trabalhadores rurais que se iniciou no Engenho Galiléia, no Estado de Pernambuco, em 1955, a partir da reivindicação de caixões para os camponeses mortos.
O movimento ganhou força com a liderança do advogado e deputado pelo Partido Socialista, Francisco Julião, e teve amplitude nacional, empunhando a bandeira pelos direitos à terra e em defesa da Reforma Agrária. Julião aglutinou o movimento em torno do seu nome, conseguindo reunir idealistas, estudantes, alguns intelectuais e projetando-se como presidente de honra das Ligas Camponesas.
As primeiras Ligas surgiram no Brasil, em 1945, logo após a redemocratização do país depois da ditadura do presidente Getúlio Vargas. Primeiro, sob a iniciativa e direção do recém-legalizado Partido Comunista Brasileiro (PCB), quando camponeses e trabalhadores rurais se organizaram criando ligas e associações rurais em quase todos os estados do país.
Em 1948, no entanto, com a proscrição do PCB as organizações de trabalhadores no Brasil enfrentaram muita dificuldade para manter a mobilização. Entre 1948 e 1954, eram poucas as organizações camponesas que funcionavam e raríssimas as que ainda conservavam o nome de Liga, como a Liga Camponesa da Iputinga, dirigida por José dos Prazeres, um dos líderes do movimento em Pernambuco e localizada no bairro do mesmo nome, na zona oeste da cidade do Recife.
Em janeiro de 1955, com a criação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco, a SAPP, localizada no Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, (PE) houve o ressurgimento das Ligas Camponesas no Nordeste. A esta altura, as ligas deixaram de ser organizações e passaram a ser um movimento agrário, que contagiou um grande contingente de trabalhadores rurais e também urbanos.
Em agosto de 1955, realizou-se no Recife, o Congresso de Salvação do Nordeste, que teve grande importância para o movimento camponês, uma vez que foi a primeira vez no Brasil, que mais de duas mil pessoas, entre autoridades, parlamentares, representantes da indústria, do comércio, de sindicatos, das Ligas Camponesas, profissionais liberais e estudantes, reuniram-se para discutir abertamente os principais problemas socioeconômicos da região.
A Comissão de Política da Terra era composta por mais de 200 delegados, em sua maioria, camponeses representantes das Ligas.
As Ligas Camponesas expandiram-se para diversos municípios de Pernambuco e também para outros estados brasileiros: na Paraíba, onde o núcleo de Sapé foi um dos mais expressivos e importantes, chegou a congregar mais de dez mil membros. Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro (na época, estado da Guanabara); Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, Acre e também no Distrito Federal, Brasília, foram outros pontos onde as Ligas tiveram papel de destaque em defesa dos trabalhadores rurais.
Em 1962, foi criado o jornal A Liga, veículo de divulgação do movimento. Com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, nesse mesmo ano, muitas Ligas transformaram-se em sindicatos rurais.
No final de 1963 o movimento estava concentrado nos estados de Pernambuco e Paraíba e o seu apogeu como organização ocorreu no início de 1964, quando foi criada a Federação das Ligas Camponesas de Pernambuco, da qual faziam parte 40 organizações, com cerca de 40 mil filiados no Estado.
Na Paraíba, Rio Grande do Norte, Acre e Distrito Federal (Brasília), onde ainda funcionava o movimento, o número de filiados era de aproximadamente 30 mil, congregando assim as Ligas Camponesas entre 70 e 80 mil pessoas na época.
Com o golpe militar de 1964, o movimento foi desarticulado, proscrito, sendo seu principal líder preso e exilado. O movimento funcionou ainda durante algum tempo, através da Organização Política Clandestina, que possuía uma direção nacional formada por assalariados rurais e camponeses, que se infiltraram em sindicatos agrícolas, passando a ajudar presos e perseguidos políticos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

4DZ Patrulha: 25 DE OUTUBRO - DIA DA DEMOCRACIA.

4DZ Patrulha: 25 DE OUTUBRO - DIA DA DEMOCRACIA.: Quero neste dia 25 de outubro de 2012, dia em que nós brasileiros comemoramos nossa “DEMOCRACIA”, fazer uma justa homenagem a um homem que...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Denúncias apontam o Reformatório Agrícola Krenak, em Minas Gerais, como centro de tortura de índios durante regime militar  09/10/2012
André Campos
de São Paulo (SP)   

 Sede do reformatório onde funcionava a sede da Funai na Fazenda
Guarani e onde fi cava a solitária onde os índios
eram confinados - Fotos: André Campos
Em julho, a Comissão Nacional da Verdade – sancionada pela presidenta Dilma Rousseff para investigar violações de direitos humanos cometidas, durante a ditadura militar, por agentes do Estado – anunciou que também irá apurar os crimes contra os índios. “Vamos investigar isso, sim, porque na construção de rodovias há histórias terríveis de violações de direitos indígenas”, afirmou, na ocasião, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da Comissão.                      
Mas o massacre de etnias que se opuseram a grandes obras é apenas um dos capítulos dessa história. Tal como outros grupos subjugados nos “porões da ditadura”, os habitantes de aldeias Brasil afora também foram alvo de prisões clandestinas, associadas a denúncias de tortura, desaparecimentos e detenções por motivação política. E que, ao contrário de outros crimes cometidos pelo Estado à época, ainda não foram objeto de nenhum tipo de reparação oficial ou política indenizatória.                  
Tais violações de direitos humanos apontam para o município de Resplendor (MG), onde funcionou o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um velho conhecido do pataxó Diógenes Ferreira dos Santos. “Eu não gosto nem de falar, porque ainda me dá ódio”, diz, com o semblante fechado de quem está prestes a tocar em lembranças difíceis. “Mas quando puxa o assunto, meu irmão...” Quando começa, ele fala sem parar. Diógenes era ainda uma criança no dia em que, conforme conta, viu dois policiais se aproximarem da casa onde vivia, na Terra Indígena Caramuru Paraguaçu, encravada em meio às fazendas de cacau da região sul da Bahia. Vieram, diz ele, acionados por um fazendeiro, que reclamava ser o dono daquele local. Para não deixarem dúvidas sobre suas intenções, cravejaram de balas uma árvore próxima. E, logo depois, colocaram fogo na casa onde o pataxó vivia com sua família.    
Exilados de seu território, Diógenes e seus pais viveram por cinco anos trabalhando numa fazenda próxima. Até serem novamente expulsos, no final da década de 1960. “Já que não tínhamos apoio de ninguém, decidimos voltar para o Caramuru”, conta.                   
Lá chegando, não demorou nem 15 dias para novamente apareceram policiais. Dessa vez estavam incumbidos de escoltar Diógenes e seu pai até a cidade. “Ficamos seis dias presos na delegacia de Pau Brasil (BA)”, relembra. “Até que veio a ordem de nos levarem para o reformatório Krenak, que eu nem sabia o que era”.     
O índio pataxó Diógenes Ferreira dos Santos
No Krenak, a cerca de 700 km de sua terra natal, Diógenes, então ainda um adolescente, descreve ter vivido uma rotina de trabalhos forçados, realizados sob o olhar vigilante de policiais militares. “Íamos até um brejo, com água até o joelho, plantar arroz”, revela. Cotidiano interrompido apenas para esporádicos jogos de futebol, organizados pelos guardas e de participação obrigatória, segundo o pataxó. “Meu pai não gostava, nunca tinha jogado bola na vida.  Aquilo era uma humilhação para ele.”           
Ironicamente, mais de 40 anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, em maio de 2012, todos os direitos de propriedade dos fazendeiros que, nos dias atuais, ainda ocupavam a Terra Indígena Caramuru Paraguaçu. Sacramentando, portanto, a legitimidade do pleito de Diógenes na querela fundiária que o levou ao cárcere       
Pedagogia da tortura
O reformatório Krenak começou a funcionar em 1969, em uma área localizada dentro do extinto Posto Indígena Guido Marlière. Suas atividades eram comandadas por agentes da Polícia Militar mineira, que, à época, recebeu a incumbência de gerir as terras indígenas daquele estado por meio de um convênio com a recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai).         
Num boletim informativo da Funai de 1972, encontramos uma das poucas menções oficiais a respeito do local, qualificando-o como uma experiência de “reeducação de índios aculturados que transgridem os princípios norteadores da conduta tribal, e cujos próprios chefes, quando não conseguem resguardar a ordem na tribo, socorrem- se da Funai visando restaurar a hierarquia nas suas comunidades”. Osires Teixeira, então senador pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) – o partido de sustentação da ditadura –, se pronunciou sobre o tema na tribuna do Senado, afirmando que os índios do Krenak “retornam às suas comunidades com uma nova profissão, com melhores conhecimentos, com melhor saúde e em melhores condições de contribuir com o seu cacique”.   
À época, fora do governo – eram os “anos de chumbo” da ditadura –, também se contam nos dedos as referências à instituição. Em 1972, um enviado especial do Jornal do Brasil chegou a entrar clandestinamente no reformatório, naquela que provavelmente é a única reportagem in loco sobre o tema. Mas sua presença durou poucos minutos – segundo a própria matéria, ele foi expulso sob ameaças da polícia.      
Ex-integrante do Conselho Indigenista Missionário em Minas Gerais (Cimi/ MG), a pedagoga Geralda Chaves Soares conheceu diversos ex-internos do Krenak. Aquilo que ela relata ter ouvido sobre os “métodos reeducacionais” da instituição – que incluíam indígenas açoitados e arrastados por cavalos – sugerem o real motivo por trás de tanto sigilo. “Uma das histórias contadas é a de dois índios urubu-kaápor que, no Krenak, apanharam muito para que confessassem o crime que os levou até lá”, conta ela. “O problema é que eles nem sequer falavam português”.         
Foto atual de morador da Terra Indígena Maxacali
Um dos mais graves exemplos de tortura remete ao indígena Gero Maxacali, ex-morador da Aldeia Água Boa, em Santa Helena de Minas (MG). Levado ao Krenak, conta Geralda, lá ele teria sido literalmente queimado por dentro ao ser obrigado a beber, de forma alternada, leite fervendo e água gelada. Depois disso, com dificuldades para se alimentar, passou a ter sérios problemas de saúde – que, anos depois, o levariam à morte.     
Brasil de Fato teve acesso a documentos da Funai que desnudam diversos aspectos sobre o cotidiano do presídio indígena. Eles revelam que ao menos 120 indivíduos, pertencentes a 25 etnias dos mais diferentes rincões brasileiros, passaram pela instituição correcional. Pessoas que, via de regra, chegavam a Resplendor a pedido dos chefes de posto local da Funai. Mas também, em alguns casos, por ordem direta de altos escalões em Brasília.            
É o caso, por exemplo, de um índio canela, do Maranhão, encaminhado à instituição em julho de 1969. “Além do tradicional comportamento inquieto da etnia – andarilhos contumazes –, o referido é dado ao vício da embriaguez, quando se torna agressivo e por vezes perigoso. Como representa um péssimo exemplo para a sua comunidade, achamos por bem confiá-lo a um período de recuperação na Colônia de Krenak”, atesta ofício emitido pelo diretor do Departamento de Assistência da Funai.                
Homicídios, roubos e o consumo de álcool nas aldeias – na época reprimido com mão de ferro pela Funai – estão entre os principais motivos alegados para o envio de índios a temporadas corretivas. Além disso, também transparecem na burocracia oficial situações de brigas internas, uso de drogas, prostituição, conflitos com servidores públicos e indivíduos penalizados por atos descritos como vadiagem.   
Boa parte desses supostos roubos, conforme revelam os próprios ofícios internos da Funai, remetem a atos de periculosidade risível, para dizer o mínimo. Gente como, por exemplo, um maxacali flagrado afanando uma cigarreira, três camisas de tergal, uma caixa de botões e alguns outros cacarecos na sede do seu posto indígena. Ou, ainda, o xerente que, após beber em uma “festa de civilizados”, voltou à aldeia pedalando a bicicleta de outra pessoa, tendo esquecido a sua própria para trás – engano provocado pela embriaguez segundo o próprio servidor local que solicitou a sua remoção.  
 Imagens atuais do espaço onde funcionava a solitária
As estadias no reformatório podiam durar de poucos dias a até mais de três anos. Para serem libertados, os internos dependiam da avaliação comportamental dos policiais custodiantes, mas também de certa dose de sorte para não se tornarem “índios extraviados” na confusa burocracia da Funai. “Não sabemos a causa real que motivou o seu encaminhamento, uma vez que não recebemos o relatório de origem”, escreveu aos seus superiores o cabo da PM Antônio Vicente, um dos responsáveis locais, sobre um índio xavante, considerado de bom comportamento, que lá estava há mais de cinco meses.            
Nesse balaio de gatos, alguns casos soam quase surrealistas. Um deles ocorreu em 1971, quando chegou ao reformatório um índio urubu-kaápor, com ordens de permanecer sob severa vigilância e em alojamento isolado. Seu encaminhamento a um “período de recuperação” justificava-se, segundo a Ajudância Minas-Bahia – órgão da Funai ao qual estava subordinado o reformatório – por ele ter praticado “atos de pederastia” em sua aldeia.   
Dois meses depois, consta nos documentos do órgão indigenista que ele se apoderou de uma Gilette para tentar suicídio com um corte no abdômen. Recebeu atendimento médico e, após alguns meses, tentou uma fuga, sendo recapturado já em outro município.            
Entre os internos, havia também pessoas aparentemente acometidas de transtornos mentais, vivendo no Krenak sem qualquer tipo de amparo psiquiátrico. A exemplo de um índio da etnia campa, clinicamente diagnosticado como esquizofrênico segundo relatório do próprio órgão indigenista. E que, entre outras excentricidades, dizia possuir vários automóveis e aviões, além de ser amigo íntimo do mandatário supremo da nação. “Sempre que um avião passa sobre esse reformatório ele pula e grita, dizendo que é o presidente vindo busca-lo”, relata um ofício a seu respeito.                 
 Ocrides Krenak: preso pelo consumo de cachaça
Para alguns dos indígenas, a ida ao Krenak provou-se um caminho sem retorno. É o caso de Manoel Vieira das Graças, o Manelão Pankararú, levado ao presídio indígena em 1969 após uma briga violenta com outros índios de sua aldeia. Com mulher e filhos, Manelão está até hoje instalado em Resplendor. Tal como outros índios que, desativado o reformatório, permaneceram na região por conta de amizades e casamentos oriundos dos anos de cárcere – havia também mulheres entre os prisioneiros.       
Atualmente, ele faz planos para revisitar a aldeia onde nasceu pela primeira vez desde que saiu preso da Terra Indígena Pankararú, no sertão pernambucano. “Eu me arrepio só de lembrar das nossas danças, das brincadeiras e do Toré (ritual típico da etnia)”, confidencia, saudoso e emocionado. Sua casa atual fica a poucos quilômetros da antiga sede do Krenak, às margens do rio Doce, onde ainda existem as ruínas de concreto e aço da sede da instituição, parcialmente derrubadas por duas cheias no rio. Quando vier a próxima enchente, acreditam alguns moradores da região, devem também vir abaixo as últimas paredes que insistem em ficar de pé.           
Entre os que não retornaram há também aqueles cujo destino, ainda hoje, permanece uma incógnita. Situação que remete, por exemplo, a Dedé Baena, ex-morador do Posto Indígena Caramuru, na Bahia. “Ninguém sabe se é vivo ou morto porque foi mudado para o presídio Krenak e desapareceu”, revela um não-índio, nascido na área do referido Posto Indígena, em depoimento de 2004 à pesquisadora Jurema Machado de Andrade Souza. Outros relatos atuais de indígenas da região confirmam o sumiço.        
Em agosto de 1969, conforme está registrado em um ofício da Funai, Dedé foi levado a Resplendor a pedido do chefe do Posto em questão, que o qualificou como um “índio problema”, violento quando embriagado e dono de vasto histórico de agressões a “civilizados”. Lá chegou inclusive necessitando de cuidados médicos, com uma agulha de costura fincada na perna – ferimento ocorrido em circunstâncias não explicadas.          
Nos documentos aos quais teve acesso, o Brasil de Fato não encontrou registros de sua eventual libertação, morte ou mesmo fuga.           
“Índios vadios”
Paralelamente à chegada dos “delinquentes”, dezenas de índios krenaks ainda habitavam áreas vizinhas ao reformatório. Estavam submetidos à tutela dos mesmos policiais responsáveis pela instituição correcional, o que os tornava um alvo preferencial para ações de patrulhamento. Diversos deles acabaram confinados.             
Homens e mulheres krenaks foram também recrutados para trabalhar na prisão indígena, e dão testemunho sobre as violências desse período. “Quem fugia da cadeia sofria na mão deles”, afirma Maria Sônia Krenak, ex-cozinheira no local. “E a mesma coisa as crianças da aldeia. Se fugissem da escola, também apanhavam”.   
Por mais incrível que pareça, até mesmo a vida amorosa dos índios locais passava pelo crivo da polícia. “Antes de responder ao ‘pedido de casamento’, procedi (sic) uma sindicância sigilosa e sumária na vida pregressa do pretendente, apurando-se que é pessoa pobre, porém honesta”, aponta ofício escrito pelo sargento da PM Tarcisio Rodrigues, então chefe do Posto Indígena, pedindo aos seus superiores deliberação sobre o noivado de uma índia com um não índio dos arredores.               
Na Terra Indígena Krenak, homologada em 2001 em Resplendor, muitos ainda tem histórias para contar sobre esse período. “Eu, uma vez, fiquei 17 dias preso porque atravessei o rio sem ordem, e fui jogar uma sinuquinha na cidade”, rememora José Alfredo de Oliveira, patriarca de uma das famílias locais. É um exemplo típico do que, para a polícia, era considerado um ato de vadiagem.     
Assim como ocorria em outras regiões do país, os krenaks só podiam deixar o território tribal mediante a autorização do chefe local da Funai. Até mesmo a caça e a pesca fora dos postos indígenas – frequentemente inadequados para prover a alimentação básica – podiam, à época, levar índios Brasil afora diretamente ao reformatório.        
Para Geralda, ex-Cimi, por trás de situações como essas – de sedentarismo forçado, prisões de “índios vadios” e até mesmo de supostos ladrões – havia, na verdade, um contexto de conflito territorial. “Por exemplo, os maxacalis (habitantes do Vale do Mucuri, no nordeste de Minas Gerais). Nessa época eles atacavam as fazendas de gado. Estavam confinados num posto indígena, passando fome, então caçar uma vaca era uma atividade de caçador mesmo. E aí prendiam o índio porque ele tinha roubado uma vaca”, contextualiza. “Mas, de fato, era uma questão de sobrevivência, e também de resistência. Achavam que, pressionando os fazendeiros, eles iriam embora. A compreensão maior de que a luta pela terra tem esse viés da Justiça só veio depois.”         
No início dos anos de 1970, até mesmo a área ocupada pelos krenaks e pelo reformatório vivia dias de intensa disputa, reivindicada por posseiros que arrendaram lotes nos arredores. Como saída para o imbróglio, o governo de Minas Gerais e a Funai negociaram uma permuta entre tais terras e a Fazenda Guarani, área localizada em Carmésia (MG) e que pertencia à Polícia Militar mineira. Em 1972, foram todos – os krenaks, o reformatório e os confinados – deslocados para lá.   
Logo após essa mudança, mudou também o chefe da Ajudância Minas- Bahia. Quem o assumiu foi o juruna João Geraldo Itatuitim Ruas, um dos primeiros servidores de origem indígena a ocupar postos de comando na Funai. “Imagina o que era para mim, como índio, ouvir a ordem do dia do cabo Vicente, botando todos os presidiários em fila indiana, antes de tomarem um café corrido, e falando que seria metido o cacete em quem andasse errado. E que, para aquele que fugisse, havia quatro cachorros policiais, treinados e farejadores, prontos para agir”, exemplifica. “Eles não trabalhavam no sábado, que era dia de lavar a roupa, costurar, essas coisas todas. Mas, durante a semana, era trabalho escravo!”           
Frente a essa realidade, Ruas afirma ter procurado o ministro do Interior – Maurício Rangel Reis, morto em 1986 – para discutir o fim da instituição correcional. Um encontro do qual diz ter saído sob ameaças de demissão. Mesmo assim, ele conta ter começado a enviar, de volta às aldeias de origem, diversos dos confinados. Ruas perdeu seu cargo pouco tempo depois.    
Mas enquanto alguns saíam, a Fazenda Guarani ainda recebia, em meados da década de 1970, outras levas indígenas fruto de litigâncias fundiárias no Brasil. Foi o que ocorreu com os guaranis da Aldeia Tekoá Porã, em Aracruz (ES).             
Os guaranis, explica o cacique Werá Kwaray – que passou parte da sua adolescência em Carmésia –, caminham pelo mundo seguindo revelações. E foi uma revelação que levou o seu grupo a sair do sul do país, na década de 1940, em busca da “terra sem males” – local onde, segundo as crenças da etnia, é possível alcançar uma espécie de perfeição mística, algo como um paraíso na terra. Liderados por uma xamã, chegaram a Aracruz duas décadas depois. Mas sobre aquele lugar também repousavam planos para viabilizar enormes plantações de eucalipto, um choque de interesses levou os indígenas, sob pressão e a contragosto, para a Fazenda Guarani. “Foi uma violação dos direitos sagrados dos nossos líderes religiosos”, expõe o cacique.   
Depois de alguns anos em Carmésia, os guaranis retornaram a Aracruz, onde, em 1983, conseguiram a homologação da área indígena que habitam até hoje.                  
 A virada dos anos de 1970 para os anos de 1980 marca as últimas denúncias sobre o uso da Fazenda Guarani como local de prisão, confinamento ou despejo de índios “sem terra”. Todos foram embora do local, à exceção de um grupo pataxó que lá se instalou definitivamente após sair de áreas em Porto Seguro (BA). Atualmente, o casarão que servia como sede aos destacamentos policiais foi convertido em moradia para alguns desses indígenas. E a antiga solitária local virou um depósito onde se empilham os cachos de banana abundantemente colhidos nas redondezas. 
Milhares de indios foram torturados, mortos e sepultados sobre o silêncio da imprensa, da política das baionetas, inúmeras indias estupradas e seus filhos renegadas, são " O(s) Filho da Ditadura". Pouco é falado sobre a relação Inio Ditadura militar no Brasil.Juvenal Teodoro Payayá autor do livro "O Filho da Ditadura"


E AS MULHERES INDÍGENAS?

Muito interessante o texto, é extremamente importante recuperar essa história. Mas, se a reportagem afirma que "havia também mulheres entre os prisioneiros", por quê não foi relatado nenhum caso específico de uma prisioneira? A história das mulheres em geral já é tão invisibilizada, a das mulheres indígenas mais ainda, que acho que a reportagem falhou em não fazer o esforço de recontar o que aconteceu com essas mulheres. Mas, de qualquer forma, parabéns pela matéria, que a Comissão da Verdade exponha ainda mais capítulos absurdos ocultados da nossa história para que jamais se repitam.

O PRESIDIO INDÍGENA DA DITADURA: 


Denúncias apontam o Reformatório Agrícola Krenak, em Minas Gerais, como centro de tortura de índios durante regime militar 

André Campos

de São Paulo (SP) 


Em julho, a Comissão Nacional da Verdade – sancionada pela presidenta Dilma Rousseff para investigar violações de direitos humanos cometidas, durante a ditadura militar, por agentes do Estado – anunciou que também irá apurar os crimes contra os índios. “Vamos investigar isso, sim, porque na construção de rodovias há histórias terríveis de violações de direitos indígenas”, afirmou, na ocasião, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da Comissão. 



Mas o massacre de etnias que se opuseram a grandes obras é apenas um dos capítulos dessa história. Tal como outros grupos subjugados nos “porões da ditadura”, os habitantes de aldeias Brasil afora também foram alvo de prisões clandestinas, associadas a denúncias de tortura, desaparecimentos e detenções por motivação política. E que, ao contrário de outros crimes cometidos pelo Estado à época, ainda não foram objeto de nenhum tipo de reparação oficial ou política indenizatória. 



Tais violações de direitos humanos apontam para o município de Resplendor (MG), onde funcionou o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um velho conhecido do pataxó Diógenes Ferreira dos Santos. “Eu não gosto nem de falar, porque ainda me dá ódio”, diz, com o semblante fechado de quem está prestes a tocar em lembranças difíceis. “Mas quando puxa o assunto, meu irmão...” Quando começa, ele fala sem parar. Diógenes era ainda uma criança no dia em que, conforme conta, viu dois policiais se aproximarem da casa onde vivia, na Terra Indígena Caramuru Paraguaçu, encravada em meio às fazendas de cacau da região sul da Bahia. Vieram, diz ele, acionados por um fazendeiro, que reclamava ser o dono daquele local. Para não deixarem dúvidas sobre suas intenções, cravejaram de balas uma árvore próxima. E, logo depois, colocaram fogo na casa onde o pataxó vivia com sua família. 



Exilados de seu território, Diógenes e seus pais viveram por cinco anos trabalhando numa fazenda próxima. Até serem novamente expulsos, no final da década de 1960. “Já que não tínhamos apoio de ninguém, decidimos voltar para o Caramuru”, conta. 



Lá chegando, não demorou nem 15 dias para novamente apareceram policiais. Dessa vez estavam incumbidos de escoltar Diógenes e seu pai até a cidade. “Ficamos seis dias presos na delegacia de Pau Brasil (BA)”, relembra. “Até que veio a ordem de nos levarem para o reformatório Krenak, que eu nem sabia o que era”. 



No Krenak, a cerca de 700 km de sua terra natal, Diógenes, então ainda um adolescente, descreve ter vivido uma rotina de trabalhos forçados, realizados sob o olhar vigilante de policiais militares. “Íamos até um brejo, com água até o joelho, plantar arroz”, revela. Cotidiano interrompido apenas para esporádicos jogos de futebol, organizados pelos guardas e de participação obrigatória, segundo o pataxó. “Meu pai não gostava, nunca tinha jogado bola na vida. Aquilo era uma humilhação para ele.” 



Ironicamente, mais de 40 anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, em maio de 2012, todos os direitos de propriedade dos fazendeiros que, nos dias atuais, ainda ocupavam a Terra Indígena Caramuru Paraguaçu. Sacramentando, portanto, a legitimidade do pleito de Diógenes na querela fundiária que o levou ao cárcere 



Pedagogia da tortura



O reformatório Krenak começou a funcionar em 1969, em uma área localizada dentro do extinto Posto Indígena Guido Marlière. Suas atividades eram comandadas por agentes da Polícia Militar mineira, que, à época, recebeu a incumbência de gerir as terras indígenas daquele estado por meio de um convênio com a recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai). 



Num boletim informativo da Funai de 1972, encontramos uma das poucas menções oficiais a respeito do local, qualificando-o como uma experiência de “reeducação de índios aculturados que transgridem os princípios norteadores da conduta tribal, e cujos próprios chefes, quando não conseguem resguardar a ordem na tribo, socorrem- se da Funai visando restaurar a hierarquia nas suas comunidades”. Osires Teixeira, então senador pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) – o partido de sustentação da ditadura –, se pronunciou sobre o tema na tribuna do Senado, afirmando que os índios do Krenak “retornam às suas comunidades com uma nova profissão, com melhores conhecimentos, com melhor saúde e em melhores condições de contribuir com o seu cacique”. 



À época, fora do governo – eram os “anos de chumbo” da ditadura –, também se contam nos dedos as referências à instituição. Em 1972, um enviado especial do Jornal do Brasil chegou a entrar clandestinamente no reformatório, naquela que provavelmente é a única reportagem in loco sobre o tema. Mas sua presença durou poucos minutos – segundo a própria matéria, ele foi expulso sob ameaças da polícia. 



Ex-integrante do Conselho Indigenista Missionário em Minas Gerais (Cimi/ MG), a pedagoga Geralda Chaves Soares conheceu diversos ex-internos do Krenak. Aquilo que ela relata ter ouvido sobre os “métodos reeducacionais” da instituição – que incluíam indígenas açoitados e arrastados por cavalos – sugerem o real motivo por trás de tanto sigilo. “Uma das histórias contadas é a de dois índios urubu-kaápor que, no Krenak, apanharam muito para que confessassem o crime que os levou até lá”, conta ela. “O problema é que eles nem sequer falavam português”. 



Um dos mais graves exemplos de tortura remete ao indígena Gero Maxacali, ex-morador da Aldeia Água Boa, em Santa Helena de Minas (MG). Levado ao Krenak, conta Geralda, lá ele teria sido literalmente queimado por dentro ao ser obrigado a beber, de forma alternada, leite fervendo e água gelada. Depois disso, com dificuldades para se alimentar, passou a ter sérios problemas de saúde – que, anos depois, o levariam à morte. 



O Brasil de Fato teve acesso a documentos da Funai que desnudam diversos aspectos sobre o cotidiano do presídio indígena. Eles revelam que ao menos 120 indivíduos, pertencentes a 25 etnias dos mais diferentes rincões brasileiros, passaram pela instituição correcional. Pessoas que, via de regra, chegavam a Resplendor a pedido dos chefes de posto local da Funai. Mas também, em alguns casos, por ordem direta de altos escalões em Brasília. 



É o caso, por exemplo, de um índio canela, do Maranhão, encaminhado à instituição em julho de 1969. “Além do tradicional comportamento inquieto da etnia – andarilhos contumazes –, o referido é dado ao vício da embriaguez, quando se torna agressivo e por vezes perigoso. Como representa um péssimo exemplo para a sua comunidade, achamos por bem confiá-lo a um período de recuperação na Colônia de Krenak”, atesta ofício emitido pelo diretor do Departamento de Assistência da Funai. 



Homicídios, roubos e o consumo de álcool nas aldeias – na época reprimido com mão de ferro pela Funai – estão entre os principais motivos alegados para o envio de índios a temporadas corretivas. Além disso, também transparecem na burocracia oficial situações de brigas internas, uso de drogas, prostituição, conflitos com servidores públicos e indivíduos penalizados por atos descritos como vadiagem. 



Boa parte desses supostos roubos, conforme revelam os próprios ofícios internos da Funai, remetem a atos de periculosidade risível, para dizer o mínimo. Gente como, por exemplo, um maxacali flagrado afanando uma cigarreira, três camisas de tergal, uma caixa de botões e alguns outros cacarecos na sede do seu posto indígena. Ou, ainda, o xerente que, após beber em uma “festa de civilizados”, voltou à aldeia pedalando a bicicleta de outra pessoa, tendo esquecido a sua própria para trás – engano provocado pela embriaguez segundo o próprio servidor local que solicitou a sua remoção. 



As estadias no reformatório podiam durar de poucos dias a até mais de três anos. Para serem libertados, os internos dependiam da avaliação comportamental dos policiais custodiantes, mas também de certa dose de sorte para não se tornarem “índios extraviados” na confusa burocracia da Funai. “Não sabemos a causa real que motivou o seu encaminhamento, uma vez que não recebemos o relatório de origem”, escreveu aos seus superiores o cabo da PM Antônio Vicente, um dos responsáveis locais, sobre um índio xavante, considerado de bom comportamento, que lá estava há mais de cinco meses. 



Nesse balaio de gatos, alguns casos soam quase surrealistas. Um deles ocorreu em 1971, quando chegou ao reformatório um índio urubu-kaápor, com ordens de permanecer sob severa vigilância e em alojamento isolado. Seu encaminhamento a um “período de recuperação” justificava-se, segundo a Ajudância Minas-Bahia – órgão da Funai ao qual estava subordinado o reformatório – por ele ter praticado “atos de pederastia” em sua aldeia. 



Dois meses depois, consta nos documentos do órgão indigenista que ele se apoderou de uma Gilette para tentar suicídio com um corte no abdômen. Recebeu atendimento médico e, após alguns meses, tentou uma fuga, sendo recapturado já em outro município. 



Entre os internos, havia também pessoas aparentemente acometidas de transtornos mentais, vivendo no Krenak sem qualquer tipo de amparo psiquiátrico. A exemplo de um índio da etnia campa, clinicamente diagnosticado como esquizofrênico segundo relatório do próprio órgão indigenista. E que, entre outras excentricidades, dizia possuir vários automóveis e aviões, além de ser amigo íntimo do mandatário supremo da nação. “Sempre que um avião passa sobre esse reformatório ele pula e grita, dizendo que é o presidente vindo busca-lo”, relata um ofício a seu respeito. 




Para alguns dos indígenas, a ida ao Krenak provou-se um caminho sem retorno. É o caso de Manoel Vieira das Graças, o Manelão Pankararú, levado ao presídio indígena em 1969 após uma briga violenta com outros índios de sua aldeia. Com mulher e filhos, Manelão está até hoje instalado em Resplendor. Tal como outros índios que, desativado o reformatório, permaneceram na região por conta de amizades e casamentos oriundos dos anos de cárcere – havia também mulheres entre os prisioneiros. 



Atualmente, ele faz planos para revisitar a aldeia onde nasceu pela primeira vez desde que saiu preso da Terra Indígena Pankararú, no sertão pernambucano. “Eu me arrepio só de lembrar das nossas danças, das brincadeiras e do Toré (ritual típico da etnia)”, confidencia, saudoso e emocionado. Sua casa atual fica a poucos quilômetros da antiga sede do Krenak, às margens do rio Doce, onde ainda existem as ruínas de concreto e aço da sede da instituição, parcialmente derrubadas por duas cheias no rio. Quando vier a próxima enchente, acreditam alguns moradores da região, devem também vir abaixo as últimas paredes que insistem em ficar de pé. 



Entre os que não retornaram há também aqueles cujo destino, ainda hoje, permanece uma incógnita. Situação que remete, por exemplo, a Dedé Baena, ex-morador do Posto Indígena Caramuru, na Bahia. “Ninguém sabe se é vivo ou morto porque foi mudado para o presídio Krenak e desapareceu”, revela um não-índio, nascido na área do referido Posto Indígena, em depoimento de 2004 à pesquisadora Jurema Machado de Andrade Souza. Outros relatos atuais de indígenas da região confirmam o sumiço. 



Em agosto de 1969, conforme está registrado em um ofício da Funai, Dedé foi levado a Resplendor a pedido do chefe do Posto em questão, que o qualificou como um “índio problema”, violento quando embriagado e dono de vasto histórico de agressões a “civilizados”. Lá chegou inclusive necessitando de cuidados médicos, com uma agulha de costura fincada na perna – ferimento ocorrido em circunstâncias não explicadas. 



Nos documentos aos quais teve acesso, o Brasil de Fato não encontrou registros de sua eventual libertação, morte ou mesmo fuga. 



“Índios vadios”



Paralelamente à chegada dos “delinquentes”, dezenas de índios krenaks ainda habitavam áreas vizinhas ao reformatório. Estavam submetidos à tutela dos mesmos policiais responsáveis pela instituição correcional, o que os tornava um alvo preferencial para ações de patrulhamento. Diversos deles acabaram confinados. 



Homens e mulheres krenaks foram também recrutados para trabalhar na prisão indígena, e dão testemunho sobre as violências desse período. “Quem fugia da cadeia sofria na mão deles”, afirma Maria Sônia Krenak, ex-cozinheira no local. “E a mesma coisa as crianças da aldeia. Se fugissem da escola, também apanhavam”. 



Por mais incrível que pareça, até mesmo a vida amorosa dos índios locais passava pelo crivo da polícia. “Antes de responder ao ‘pedido de casamento’, procedi (sic) uma sindicância sigilosa e sumária na vida pregressa do pretendente, apurando-se que é pessoa pobre, porém honesta”, aponta ofício escrito pelo sargento da PM Tarcisio Rodrigues, então chefe do Posto Indígena, pedindo aos seus superiores deliberação sobre o noivado de uma índia com um não índio dos arredores. 



Na Terra Indígena Krenak, homologada em 2001 em Resplendor, muitos ainda tem histórias para contar sobre esse período. “Eu, uma vez, fiquei 17 dias preso porque atravessei o rio sem ordem, e fui jogar uma sinuquinha na cidade”, rememora José Alfredo de Oliveira, patriarca de uma das famílias locais. É um exemplo típico do que, para a polícia, era considerado um ato de vadiagem. 



Assim como ocorria em outras regiões do país, os krenaks só podiam deixar o território tribal mediante a autorização do chefe local da Funai. Até mesmo a caça e a pesca fora dos postos indígenas – frequentemente inadequados para prover a alimentação básica – podiam, à época, levar índios Brasil afora diretamente ao reformatório. 



Para Geralda, ex-Cimi, por trás de situações como essas – de sedentarismo forçado, prisões de “índios vadios” e até mesmo de supostos ladrões – havia, na verdade, um contexto de conflito territorial. “Por exemplo, os maxacalis (habitantes do Vale do Mucuri, no nordeste de Minas Gerais). Nessa época eles atacavam as fazendas de gado. Estavam confinados num posto indígena, passando fome, então caçar uma vaca era uma atividade de caçador mesmo. E aí prendiam o índio porque ele tinha roubado uma vaca”, contextualiza. “Mas, de fato, era uma questão de sobrevivência, e também de resistência. Achavam que, pressionando os fazendeiros, eles iriam embora. A compreensão maior de que a luta pela terra tem esse viés da Justiça só veio depois.” 



No início dos anos de 1970, até mesmo a área ocupada pelos krenaks e pelo reformatório vivia dias de intensa disputa, reivindicada por posseiros que arrendaram lotes nos arredores. Como saída para o imbróglio, o governo de Minas Gerais e a Funai negociaram uma permuta entre tais terras e a Fazenda Guarani, área localizada em Carmésia (MG) e que pertencia à Polícia Militar mineira. Em 1972, foram todos – os krenaks, o reformatório e os confinados – deslocados para lá. 



Logo após essa mudança, mudou também o chefe da Ajudância Minas- Bahia. Quem o assumiu foi o juruna João Geraldo Itatuitim Ruas, um dos primeiros servidores de origem indígena a ocupar postos de comando na Funai. “Imagina o que era para mim, como índio, ouvir a ordem do dia do cabo Vicente, botando todos os presidiários em fila indiana, antes de tomarem um café corrido, e falando que seria metido o cacete em quem andasse errado. E que, para aquele que fugisse, havia quatro cachorros policiais, treinados e farejadores, prontos para agir”, exemplifica. “Eles não trabalhavam no sábado, que era dia de lavar a roupa, costurar, essas coisas todas. Mas, durante a semana, era trabalho escravo!” 



Frente a essa realidade, Ruas afirma ter procurado o ministro do Interior – Maurício Rangel Reis, morto em 1986 – para discutir o fim da instituição correcional. Um encontro do qual diz ter saído sob ameaças de demissão. Mesmo assim, ele conta ter começado a enviar, de volta às aldeias de origem, diversos dos confinados. Ruas perdeu seu cargo pouco tempo depois. 



Mas enquanto alguns saíam, a Fazenda Guarani ainda recebia, em meados da década de 1970, outras levas indígenas fruto de litigâncias fundiárias no Brasil. Foi o que ocorreu com os guaranis da Aldeia Tekoá Porã, em Aracruz (ES). 



Os guaranis, explica o cacique Werá Kwaray – que passou parte da sua adolescência em Carmésia –, caminham pelo mundo seguindo revelações. E foi uma revelação que levou o seu grupo a sair do sul do país, na década de 1940, em busca da “terra sem males” – local onde, segundo as crenças da etnia, é possível alcançar uma espécie de perfeição mística, algo como um paraíso na terra. Liderados por uma xamã, chegaram a Aracruz duas décadas depois. Mas sobre aquele lugar também repousavam planos para viabilizar enormes plantações de eucalipto, um choque de interesses levou os indígenas, sob pressão e a contragosto, para a Fazenda Guarani. “Foi uma violação dos direitos sagrados dos nossos líderes religiosos”, expõe o cacique. 



Depois de alguns anos em Carmésia, os guaranis retornaram a Aracruz, onde, em 1983, conseguiram a homologação da área indígena que habitam até hoje. 



A virada dos anos de 1970 para os anos de 1980 marca as últimas denúncias sobre o uso da Fazenda Guarani como local de prisão, confinamento ou despejo de índios “sem terra”. Todos foram embora do local, à exceção de um grupo pataxó que lá se instalou definitivamente após sair de áreas em Porto Seguro (BA). Atualmente, o casarão que servia como sede aos destacamentos policiais foi convertido em moradia para alguns desses indígenas. E a antiga solitária local virou um depósito onde se empilham os cachos de banana abundantemente colhidos nas redondezas.